O EGITO ANTIGO PARA LEIGOS

Idéias "New Age" e Pseudo-Ciência não são bem-vindas aqui.

19 de out. de 2009

Mais um livro de Andrew Collins - Parte Final


(Copyright da capa: Andrew Collins, 2009)
Convencidos de que a entrada para o sistema de cavernas descoberto por Salt e Caviglia teria de ser através do Túmulo dos Pássaros, Collins, sua esposa Sue e Nigel Skinner-Simpson fizeram planos para explorar em detalhes aquela área do platô. Collins buscou o apoio da ARE - Associação para Pesquisa e Esclarecimento (Association for Research and Enlightenment, em Inglês) - o braço de investigação da Edgar Cayce Foundation, em Virginia Beach, VA - EUA, que vem se dedicando há 70 anos à confirmação das predições de seu fundador, Edgar Cayce. Impressionados com a argumentação de Collins, eles concordaram em ajudar a patrocinar uma investigação preliminar do túmulo, o que ocorreu no início de 2008.

Collins, Sue e Nigel chegaram ao Túmulo dos Pássaros em 8 de março e imediatamente começaram a examinar cada centímetro quadrado de suas paredes e fendas.

A entrada do túmulo dava para o norte e consistia de uma ante-câmara seguida por um longo corredor com orientação norte-sul. Nesse corredor existiam dois grandes nichos, um à direita e outro à esquerda, e também...

Esboço da planta do Túmulo dos Pássaros, como desenhado por um dos integrantes da equipe do egiptólogo americano George A. Reisner, em 1939.



 
Andrew Collins explorando o Túmulo dos Pássaros.
(Copyright da foto: Andrew Collins, 2009) 

Não tendo encontrado nada que lembrasse, nem remotamente, a entrada para uma caverna, estavam se preparando para sair e explorar outros dois túmulos que existiam nas imediações, quando...

17 de out. de 2009

Mais um novo livro de Andrew Collins - Parte 3


(Copyright da capa: Andrew Collins, 2009)

Mais ou menos à época em que Collins já tinha se convencido de  que o Poço do Bem existia em algum lugar nas imediações do planalto de Gizé, ele topou por acaso com uma lenda preservada entre os habitantes de Nazlet es-Samman, um vilarejo moderno que hoje avança sobre a extremidade leste do campo das pirâmides. A lenda falava de um poço sagrado que era a morada de um homem santo chamado Hammed es-Samman. Seu dever era guardar a entrada desse poço, oculta por debaixo de uma pedra e que conduzia a uma cidade subterrânea.

Isso foi por volta do final de 1998 e Collins não obteve mais nenhuma informação adicional sobre essa lenda até que, em maio de 2005, durante uma de suas viagens de investigação a Gizé, foi apresentado a um empresário local chamado Ali es-Samman. Ali conhecia bem a lenda de Hammad es-Samman e esclareceu que até recentemente o santo tinha sido venerado em um festival anual organizado pelos habitantes de Nazlet es-Samman. Ali, ele próprio um descendente de Hammad es-Samman, acrescentou que a verdadeira história do poço era mantida em segredo e que era conhecida apenas por um punhado de anciões da aldeia. Segundo Ali, existia realmente uma ligação subterrânea que levava a uma cidade subterrânea situada sob o vilarejo. Ali revelou, então, o paradeiro do poço. Disse que estava localizado debaixo de um sicômoro sagrado, no coração do moderno cemitério islâmico de Aish el-Ghurob, no canto sudeste do platô. Atordoado, Collins quis saber se poderia visitar esse lugar santo, ao que lhe foi dito "sim", que podería ir lá no dia seguinte.

É importante salientar que até aquela data existiam muito poucas referências a esse poço nas centenas de livros já escritos sobre a história dos monumentos do platô de Gizé. Inacreditavelmente, sua importância não era reconhecida.

No dia seguinte, após ter evitado a polícia que ronda a entrada para a Esfinge e dado gorjetas aos guardas do cemitério, Andrew Collins viu-se sendo conduzido por um guia por entre fileiras de túmulos em formato de arca e pintados de branco, até chegar a um dos locais sagrados "perdidos" de Gizé.


O poço Beer es-Samman, no cemitério islâmico de Gizé. Será que ele oculta a entrada para o Submundo da Alma?
(Copyright da foto: Andrew Collins, 2009)

O poço chamado de Beer es-Samman, ou o "poço da ave samman", é extremamente velho, constando somente de mapas antiquíssimos do platô. Suas águas cristalinas, bebidas por todos que freqüentam o cemitério, vêm de fissuras subterrâneas que inrompem de câmaras e passagens das profundezas do platô.

Enquanto estava de pé ao lado de Beer es-Samman, à sombra de uma velha figueira (conhecida como El-Gomez, em árabe), uma descendente das mencionadas nos antigos textos egípcios, Collins percebeu o quanto o poço ficava perto da face norte da proeminente colina rochosa situada a cerca de 150 metros ao sul. Gebel Ghibli (ou Qibli), Colina Sul em árabe, é uma enigmática formação rochosa com 60 metros de altura a cerca de 400 metros ao sul da Esfinge. Vista do norte, onde as pirâmides de Gizé estão localizadas, Gebel Ghibli se parece como uma espécie colina primordial se projetando de um oceano de areia. Haveriam evidências de que aquela área pudesse conter pistas sobre o maior segredo de Gizé - o Submundo da Alma dos textos Edfu?

Em Gizé, o sicômoro, ou Gomez, era sagrado para a deusa Hathor, que tinha o título de a "Senhora do Sicômoro Sul". Hathor era a matrona de Gizé e uma lenda estranha, preservada até hoje, conta como ela se alimentou do sangue dos mortos da necrópole comendo o fruto vermelho do Gomez que ficava onde hoje está o atual cemitério islâmico. A tradição popular local registra que se uma mulher deseja engravidar, ela deve vir ao Beer es-Samman e ali comer o fruto do Gomez, que, devido a sua aparência característica, tornou-se um símbolo de fertilidade.


Nuit personificada como Via Láctea, com seu útero e vulva assinalados pelas estrelas do Cisne e a chamada Brecha do Cisne.
(Copyright da imagem: Andrew Collins/Rodney Hale 2009)


Hator era a deusa-céu,  mãe do deus Hórus, o deus sol que se apresentava sob a forma de falcão. Seu nome significava a "casa de Osiris", numa referência a seu útero cósmico. Assim como a deusa Nuit, que talvez fosse apenas uma extensão da mesma deusa, Hathor era personificada no céu noturno como a Via Láctea. Em vida, cada faraó foi associado a Hórus, enquanto sua mãe e sua esposa foram identificadas com Hathor.

A ligação entre Nuit, em Heliópolis, e Hathor, em Gizé, só reforça a idéia da força de influência da constelação do Cisne na astronomia egípcia antiga. Ambas as deusas tinham seus próprios poços e árvores sagrados e estavam relacionadas através da mesma constelação.

Nos antigos Textos das Pirâmides, tanto o túmulo quanto o caixão e o sarcófago do faraó eram confundidos com o útero de sua mãe Nuit. Outros textos funerários viam o corpo dela como o túnel Duat, o qual a alma do falecido atravessava como deus-sol Re. De acordo com o egiptólogo americano Mark Lehner, a alma, em seu papel de novo sol, era reacesa quando passava através da Hora Quinta. Como vimos anteriormente, a Hora Quinta do Duat era o nome tanto do reino de Sokar quanto do de Rostau, o antigo nome de Gizé. Podemos, então, dizer que o útero da deusa-céu Nuit, refletida no céu como a constelação do Cisne, foi associado ao papel de Gizé, o Duat de Memphis. Assim, faz sentido que as pirâmides de Gizé espelhem a posição astronômica das estrelas principais do Cisne, pois as pirâmides foram erigidas justamente para harmonizar com as influências celestes associadas ao útero de Nuit, o lugar do renascimento da alma do faraó quando de passagem pelo Shetayet ou túmulo de Sokar-Osíris. Somente adotando essa ressonância estelar o faraó poderia, como filho de Nuit, alcançar sua transformação em “akh”, ou espírito glorioso, em harmonia com as estrelas do céu do norte.

Mas voltemos a uma das figuras que estava na parte 1. Lembram-se dela?



O mapa de Lepsius e a sobreposição de Collins/Hale
(Copyright da imagem: Nigel Skinner-Simpson, 2009. Cortesia da sobreposição: Rodney Hale, 2009).


Andrew Collins comprovou as sobreposições das estrelas da constelação do Cisne aos ápices das pirâmides de Khufu, Khafre e Menkaure. Também comprovou as sobreposições a Gebel Ghibli e ao Beer as-Samman. Mas ficou faltando comprovar que a estrela Deneb tenha se sobreposto a algo significativo. Aliás, a algo muito significativo, já que Deneb é a mais brilhante das estrelas da constelação.

 
Imagem de satélite mostrando a localização da mastaba L 14 no Cemitério Ocidental da Grande Pirâmide
(Copyright da imagem: GoogleEarth, 2009)


O ponto ao qual Deneb se sobrepos estava localizado a oeste da pirâmide de Khufu, no chamado Cemitério Ocidental da Grande Pirâmide. Collins e sua esposa, Sue Collins, decidiram investigar a área em janeiro de 2007 e verificaram que a projeção de Deneb recaía sobre uma mastaba de pedra conhecida como L 14, a 14ª mastaba explorada pelo egiptólogo prussiano Karl Richard Lepsius no Cemitério Ocidental, quando de sua primeira campanha no Egito, entre 1842 e 1843. Lepsius, já naquela época, se deparou com a mastaba tão dilapidada por ladrões e tão destruída por séculos de exposição ao tempo que não encontrou nela nada que fosse digno de nota. Na verdade, Lepsius mal manteve registros dessa mastaba. Ao contrário do que imaginavam, Collins e Sue também não encontraram nada na mastaba que pudesse despertar qualquer interesse especial. Desapontados, voltaram para casa e o assunto foi posto de lado, mas continuaram intrigados em saber o por quê daquela área, aparentemente inexpressiva, ser tão importante para o "Grande Plano" do platô de Gizé.

Foi então que o pesquisador britânico Nigel Skinner-Simpson, colega de Collins, descobriu que em 1817 o Cônsul Geral Britânico no Egito, Henry Salt, trabalhando ao lado do famoso explorador italiano, capitão reformado da marinha Giovanni Battista Caviglia, tinha visitado a mesma área do platô. Ele e Caviglia tiveram acesso a um túmulo que os levou a um sistema de cavernas profundas. Essas cavernas foram exploradas pelos dois até uma distância de "várias centenas de metros", antes de entrarem numa grande câmara que se relacionava a outras três do mesmo tamanho e das quais saiam muitas passagens "labirinticas".

É justamente aqui que se percebe o brilhantismo de Collins e de sua equipe. Não estamos tratando de um mundo subterrâneo, o Submundo da Alma? Pois então a sobreposição de Deneb se dá sobre um ponto subterrâneo! Resta agora localizar a entrada para o ponto.


Tendo reconstruído, cuidadosamente, as explorações de Salt e Caviglia no platô, Nigel Skinner-Simpson percebeu que a entrada dessa rede de cavernas deveria  ficava nos arredores de um túmulo que viria a ser apelidado por Collins de o "Túmulo dos Pássaros".


Detalhe da imagem do Platô de Gizé mostrando a entrada para o Túmulo dos Pássaros
(Copyright da imagem: GoogleEarth, 2009)


Entrada do Túmulo dos Pássaros
(Copyright da foto: Andrew Collins, 2009)



15 de out. de 2009

Mais um novo livro de Andrew Collins - Parte 2



(Copyright da capa: Andrew Collins, 2009)

Na parte 1 você leu que Albiero, a segunda estrela mais brilhante da constelação do Cisne, caiu sobre Gebel Gibli quando Hale sobrepôs a constelação ao platô de Gizé. Mas qual seria a importância dessa sobreposição se comparada às sobreposições das outras estrelas sobre os ápices das pirâmides? Muito importante e vou tentar explicar o porquê.

Gebel Gibli é o nome de uma colina localizada a sudeste do platô, não muito longe da Esfinge. Algumas vezes seu nome também é grafado Gebel Ghibli. Ela tem, também, dois outros nomes em árabe: um é "al-Hadbah", que significa "lugar alto", um nome com conotações religiosas, e o outro é "Tarfaya", uma antiga palavra para "primeiro lugar" ou "lugar de começos", numa alusão a seu papel como um monte primordial em torno do qual tudo tomou forma.




A Esfinge e a colina Gebel Gibli, ao fundo. Note-se a "Estela do Sonho" sobressaindo dentre as patas do monumento.

(Copyright da foto: Andrew Collins, 2009)

Esculpidas nas paredes do templo de Edfu, no sul do Egito, estão referências a uma ilha que seria um monte original da criação chamado Nun, o qual emergiu de um oceano primordial no início dos tempos. O que torna os textos Edfu únicos dentre os textos dos mitos de criação de outros centros de culto no Egito é que os textos de Edfu fazem alusão à existência, no interior dessa ilha, de um reino subterrâneo conhecido como o "duat n ba", o Submundo da Alma ou Mundo do Além.

Esse domínio sagrado era alcançado através de uma construção chamada "bw-hmn", o "lugar do Poço", dentro do qual havia um objeto chamado "bnnt", que significa embrião ou semente, também chamado de "O Grande Lotus" ou "Trono". Do "bnnt" emanava um esplendor ou efluxo divino com efeito criador no mundo exterior, isto é, com poder de criar o mundo físico ao seu redor. Durante uma época conhecida como "zep tepi", o Primeiro Momento, seres míticos chamados "wrw n wrw", um termo que significa "Os mais velhos dentre os mais velhos" ou, mais comumente, "Os Primordiais", aqui se reuniam para executar ritos mágicos usando objetos poderosos chamados "iht", em conjunção com o objeto "bnnt", já citado. A expressão "iht" significava uma pedra ou um cristal à semelhança das pedras "lingam" sagradas da tradição hindu que simbolizam crescimento ou nova vida. Os Primordiais teriam criado um domínio sagrado à beira de um lago onde erigiram o primeiro templo em honra de seu líder chamado Falcão, uma espécie de homem-ave, provavelmente um poderoso xamã disfarçado de pássaro.


Interior do templo de Edfu, na atual Luxor


A egiptóloga inglesa Eve A.E. Reymond escreveu em 1969 que o mundo mítico descrito nos textos de Edfu deve realmente ter existido em eras ancestrais. Ela viu nos textos sagrados claros indícios de que esse domínio estava localizado perto da antiga cidade real de Memphis, no Baixo Egito. É a Necrópole, ou a cidade dos mortos, que se estende desde Saqqara, ao sul, até Gizé, no norte do país.

Será que esse monte primordial, ou a ilha dos textos de Edfu, poderia ser encontrado nos arredores de Gizé, onde um dia fluiu um antigo braço do Nilo? Se assim for, o que aconteceu a esse lugar e como se situava em relação à Grande Pirâmide e seus vizinhos no platô atual? Será que o Submundo da Alma realmente existiu na forma de um reino subterrâneo? Se assim foi, poderia sua entrada, o chamado Lugar do Poço, ser ainda hoje localizada?


A Estela dos Sonhos, de Tutmósis IV, entre as patas da Esfinge

Uma pista sobre o papel do Gebel Ghibli em Gizé é a Estela do Sonho, uma laje de pedra com inscrições situada entre as patas da Esfinge. Foi erigida ali pelo faraó Tutmósis IV, para comemorar o papel desempenhado por "Harmachis" ("Hor-em-akhet", Hórus no horizonte) em sua ascensão ao trono. "Harmachis" é um antigo nome da Esfingé de Gizé. A estela refere-se a Esfinge estar situada "ao lado do Sokar em Rostau", sendo Rostau um nome arcáico para Gizé. Significativamente, Rostau quer dizer a "boca das passagens". Mas o que ou quem é Sokar?


O Sokar do Rostau
(Copyright da imagem: Andrew Collins, 2009)

Sokar foi um dos mais antigos deuses do Egito antigo. Ele presidia a morte e a ressurreição, assim como a escuridão do túmulo em que o morto repousava. Sokar era geralmente representado como uma deidade com cabeça de falcão, tanto sentado em um trono como enfaixado como uma múmia. Ele era o guardião da necrópole que servia à antiga cidade de Memphis e, em particular, à zona de Rostau, a Gizé antiga onde outrora se encontrava um santuário de Sokar, conhecido como Shetayet. Embora a localização desse santuário nunca tenha sido determinada, alguns egiptólogos acreditam que estava localizado nas proximidades de Gebel Ghibli, em cujo sopé se encontra o poço "Beer es-Samman". Sokar foi identificado com o líder mítico dos textos Edfu, conhecido como O Falcão, cujos precursores, Os Primordiais, foram responsáveis pela construção de primeiro templo do Egito, às margens do lago que continha a ilha sagrada de criação.


O maior rival de Sokar, até mesmo à época da construção das pirâmides, era Osíris, o deus da morte e da ressurreição. Seu culto absorveu os atributos e locais de culto do deus falcão, até Sokar acabar tornando-se apenas Sokar-Osíris ou, até mesmo, Ptah-Sokar-Osíris. Ptah era o deus criador de Memphis, cujo culto também absorveu o de Sokar. Apesar de Osíris muito provavelmente ter se originado apenas como um deus da vegetação do Delta do Nilo associado aos ciclos de regeneração, ele rapidamente usurpou o papel de Sokar como "Senhor do Rotau". Até mesmo o Shetayet, o santuário perdido de Sokar, transformou-se no "Túmulo de Osíris".

Entretanto, um lugar em que Sokar ainda continuou governando foi o Duat, o Submundo da Alma egípcio, ou Mundo do Além, visto tanto como um reino físico debaixo da terra, como uma região do céu noturno associada ao pós-vida egípcio. Textos funerários antigos, especificamente o Am-Duat, o "Livro do que está no Submundo", gravado em papiros funerários e nas paredes de túmulos do período do Império Novo, falam de Sokar como o governante do reino subterrâneo de Rostau. O falecido faraó, na forma de deus-sol, teria de navegar através do Duat a fim de alcançar a vida após a morte entre as estrelas.

Os antigos egípcios acreditavam que as provações e tribulações que a alma do faraó morto teria de enfrentar em sua viagem através da escuridão do Submundo, eram reflexos da jornada do sol durante as horas da noite. Acreditava-se que o sol em sua órbita entrasse no Duat-Submundo ao pôr-do-sol e que viajasse através de um túnel imaginário por debaixo da terra, antes de emergir novamente ao alvorecer, no horizonte leste. Pensava-se que esse estranho reino catatônico fosse habitado por uma multidão de serpentes, demônios e espíritos, e que fosse dividido em doze "Horas", refletindo, assim, a passagem da alma do defunto pelas horas da madrugada.

Sokar em uma mortalha no monte da criação. O sol aparece no meio de sua jornada de doze horas através do Duat,
entre as Horas de Quinta e Sétima, conforme se infere dos doze passos da colina-pirâmide.

(Copyright da imagem: Andrew Collins, 2009)



As Horas Quarta e Quinta do Duat, que ocorriam quando o faraó, como deus-sol, aproximava-se da meia-noite, eram o domínio da Sokar. Elas ostentavam, ainda, os títulos de "Casa de Sokar", "Terra de Sekri" (outra forma do nome Sokar) e, mais significativamente, Rostau, ou seja, Gizé. Tão diferentes das outras dez Horas eram as descrições da navegação dos falecidos através das Horas Quarta e Quinta do Duat que o egiptólogo egípcio Selim Hassan (1893-1961) escreveu que elas deviam ser aquisições provenientes de uma tradição separada que tratava exclusivamente do submundo de Gizé-Rostau. Hassan escreveu que uma representação física do Duat-Submundo pode ter existido em Gizé, já que as representações das Horas Quarta e Quinta pareciam refletir a maneira como o platô descia de noroeste a sudeste, como ainda hoje pode ser visto a partir de sua extremidade sudeste, ou seja, das imediações do "Aish el-Ghorab", o cemitério mulçumano atual situado à sombra de Gebel Ghibli.


Aparência da Quinta Hora do Duat no texto do Am-Duat. Observe Sokar em pé sobre uma serpente
em uma ilha de forma oval, debaixo de uma colina coroada pela cabeça da deusa Ísis.

(Copyright da imagem: Andrew Collins, 2009)


Na Quinta Hora Sokar é retratado em pé, de asas abertas, sobre uma serpente de cabeça dupla. Ambas as figuras aparecem em uma ilha de formato oval que é guardada por uma esfinge de duas extremidades, conhecida como Aker-Leão (Akeru, no plural). Inquestionavelmente, essa ilha é uma representação do monte da criação nas águas primordiais. Os Akeru-Leões são tidos como protetores da entrada e da saída do Duat-Submundo, os pontos em que o sol desaparece ao pôr-do-sol e em que ressurge ao amanhecer. Selim Hassan equiparou o Aker-Leão à Esfinge de Gizé, que guarda a entrada oriental do platô, ao passo que o local mítico conhecido nos textos funerários como "Terras Altas do Aker", foi identificado com as colinas que circundam Gizé.


Nem mesmo o deus-sol estava autorizado a penetrar na câmara secreta de Sokar durante sua viagem noturna em direção à vida após a morte. A alma do falecido, em seu barco noturno, era atraída para o topo de uma colina-pirâmide cônica freqüentemente representada sobre uma ilha oval na qual estava Sokar.

Seria a ilha da Terra de Sekri o mesmo monte primordial dos textos de Edfu? Se o Shetayet de Sokar estava localizado nas proximidades de Gebel Ghibli, então é do maior interesse a presença do poço Beer es-Samman na face norte da colina. O poço marcaria a localização do Shetayet de Sokar, onde a entrada ou a saída do Rostau, a "boca das passagens", estaria apenas aguardando para ser encontrada.


Andrew Collins e Nigel Skinner-Simpson no topo da colina Begel-Ghibli
(Photo Copyrigth: Andrew Collins, 2009)

Poderiam evidências adicionais ajudar a confirmar o papel de Gebel Ghibli nesta saga fascinante? Veremos a seguir como essa colina ao sul de Gizé foi usada durante a Era das Pirâmides não apenas como ponto de observação (como ainda o é nos tempos modernos), mas que, também, interage com a geometria da paisagem ao redor, o que implicaria em algum tipo de plano unificado ou de "Grande Plano", que teria decidido o posicionamento e até mesmo a vista das Pirâmides de Gizé.


Continua na parte 3.
 

Mais um novo livro de Andrew Collins - Parte 1


(Copyright da capa: Andrew Collins, 2009)

Andrew Collins e Nigel Skinner-Simpson acabam de se transformar na bola da vez do jogo de sinuca da Egiptologia. Eles redescobriram, juntamente com Sue Collins - esposa de Andrew Collins - uma antiga rede de cavernas, passagens e compartimentos se espalhando por debaixo do planalto de Gizé a partir de um túmulo também redescoberto no oeste do Cemitério Ocidental da Grande Pirâmide. Mas "redescoberta" não é termo justo para o caso deles. Na verdade, trata-se de uma descoberta excepcional cujas implicações surpreendentes ainda estarão sendo discutidas pelos próximos anos ou décadas.

E para onde é que essa misteriosa rede nos leva? Bem, isso é algo que eles não irão revelar, pelo menos por enquanto. Exceto por fotos de paredes da caverna, de morcegos gigantes e aranhas venenosas não vamos saber muito sobre essa descoberta. Collins acaba de lançar um novo livro chamado "Beneath the Pyramids - Egypte's Greatest Secret Uncovered", ainda sem tradução para o Português, e, como não poderia deixar de ser, ele irá contar os detalhes da coisa toda só para seus leitores. Como era de se esperar, Collins é um escritor profissional que se comporta muito profissionalmente.

Andrew Collins é um pesquisador de renome e um escritor muito eloquente que já escreveu muitos livros e artigos sobre diversos assuntos, principalmente sobre a história do Egito antigo. "Beneath the Pyramids", sua mais recente produção, trata de uma correlação ele começou a investigar há alguns anos entre a posição relativa dos ápices das pirâmides do platô de Gizé e as estrelas da constelação do Cisne. A Correlação Cisne-Gizé, como ficou conhecida, acabou por levá-lo ao chamado "Túmulo das Aves".


A entrada do Túmulo dos Pássaros, designada como NC 2 pela equipe de Reisner.
(Copyright da foto: Andrew Collins, 2009)

Os edifícios, templos e túmulos do Egito Antigo têm um simbolismo hermético cujo significado secreto egiptólogos de todo o mundo têm tentado decifrar há um longo tempo. Se você olhar para uma vista aérea do planalto de Gizé notará que as pirâmides e a Esfinge não foram distribuídas aleatoriamente sobre a topografia do terreno. Quase instintivamente, você será levado a considerar que tudo foi construído de acordo com um mesmo plano.

Mas, que plano?

Os templos do Antigo Egito foram alinhados de forma tão precisa com eventos astronômicos que as pessoas puderam definir suas agendas políticas, econômicas e religiosas por eles. Foi o que encontrou um estudo de 650 templos, alguns quais datando de 3000 AC. Astrônomos do Observatório de Helwan, no Cairo, concluíram que os templos estão todos alinhados de acordo com um evento astronomicamente significativo, por exemplo, o solstício ou equinócio ou o surgimento de Sírius, a estrela mais brilhante no céu. Por exemplo, o Ano Novo coincide com o momento em que a luz solar do solstício de inverno atinge o santuário central do templo de Karnak, na atual Luxor.

As pirâmides de Gizé não seriam exceção.

Desde tempos faraônicos que a Grande Pirâmide tem sido associada às estrelas. Seus dutos de ar e seu corredor descendente foram projetados para se alinharem com as estrelas. Tão antigas quanto a Idade Média, sabe-se de romarias de adoradores de estrelas, chamados Sabaeans, que vieram da Síria para Gizé para venerar a Grande Pirâmide como expressão específica de uma estrela.

Em 1993, quando Robert Bauval e Adrian Gilbert, em seu livro best-seller "O Mistério de Orion" viu as três estrelas do "cinturão" de Orion (observação: o cinturão de Orion é conhecido como "Três Marias") como a definição do plano básico do Pirâmides de Gizé, a hipótese foi recebida com entusiasmo cauteloso. No entanto, nem todos estavam convencidos da "Teoria da Correlação de Orion".

Entre os discordantes estava o engenheiro Rodney Hale, um amigo e colega de Collins. Como Hale demonstrou muitas vezes, a precisão da hipótese de Bauval não atinge critérios mínimos de aceitação. Hale tentou sobrepor as estrelas do cinturão de Orion em cima de um plano das Pirâmides de Gizé. Foi fácil fazer as estrelas Alnitak e Alnilam  coincidirem com os ápices da Grande Pirâmide e da Segunda Pirâmide, mas a terceira estrela, Mintaka, ficou aquém da marcação do ápice da Terceira Pirâmide. Na verdade, ela nem sequer atingiu a pirâmide. Estender essa sobreposição terra-céu para incorporar outras pirâmides próximas, foi ainda menos significativo.




Posição das estrelas do "cinturão" de Orion sobrepondo-se às pirâmides de Gizé, como feito por Rodney Hale, em 1995, usando tanto uma fotografia real das estrelas e como elas aparecem no programa Skyglobe 3,5.
(Copyright da imagem: Rodney Hale, 2009 )

Quando a Correlação Cisne-Gizé de Collins foi publicada em seu livro "Cygnus Mystery", ainda sem tradução para o Português, em 2006, criou-se um debate feroz envolvendo o próprio Robert Bauval e seus partidários, levando à questão se seria a constelação do Cisne ou a de Orion a que melhor explicaria o quadro de Gizé. Collins percebeu, então, que seria necessário revisar suas afirmações referentes à constelação do Cisne.

Enquanto trabalhava com Collins para compreender a importância da constelação de Cisne na mentalidade antiga (observação: a constelação do Cisne é facilmente visível nos céus da região Norte do Brasil, durante o verão), Rodney Hale teve um lampejo de inspiração. Ele se perguntou o que aconteceria se as três principais estrelas da “asa” do Cisne - Gienah (Epsilon Cygni), Sadr (Gamma Cygni) e Delta Cygni - que formam um arranjo semelhante ao das estrelas do cinturão de Orion, fossem sobrepostas à área das pirâmides de Gizé.



Mapa de Lepsius, de 1842, mostrando as estrelas da constelação do Cisne, em veremelho, sobrepostas às pirâmides de Gizé. Observe o local em que Deneb obscurece LG14, mastaba da borda do Cemitério Ocidental.

(Copyright da imagem: Nigel Skinner-Simpson, 2009. Cortesia da sobreposição: Rodney Hale, 2009).

A resposta foi que as estrelas acompanharam muito bem as posições geográficas das três pirâmides principais, melhor ainda que as de Orion. Além disso, a partir de uma posição sudeste do platô, durante a época em que as pirâmides foram construídas, essas mesmas três estrelas podiam ser vistas como fixadas a cada noite nos ápices de suas respectivas pirâmides. Ainda mais, outra estrela-chave na constelação do Cisne, Albireo, a segunda mais brilhante da constelação, situada na base do desenho cruciforme da constelação, coincidiu com o alto de Gebel Gibli.





A brilhante estrela Deneb ajusta-se ao ápice da pirâmide, como era vista do cume de Gebel Gibli durante a época da construção das pirâmides. Observe o fluxo de estrelas da Via Láctea em torno da base da própria pirâmide.
(Copyright da imagem: Andrew Collins/Rodney Hale, 2009)

Espere um minuto. Gebel Gibli? Você sabe o que é Gebel Gibli?

Continua na parte 2, acima.

Imhotep, o Leonardo da Vinci do Egito Antigo

Ou deveríamos dizer que Leonardo da Vinci foi o Imhotep do Renascimento italiano?

Arquiteto, Engenheiro, Médico, Cirurgião, Dentista, Poeta, Filósofo, Astrônomo, Escriba, Escultor, Carpinteiro, Sacerdote, Vizir e Ministro-Chefe. Todos esses títulos são atribuídos a Imhotep, um plebeu que se supõe ter nascido em Ankhtowë, um subúrbio de Memphis no início da história egípcia. Um homem excepcional, Imhotep ascendeu na hierarquia rapidamente, devido ao seu gênio, talentos naturais e dedicação.

Muitos detalhes de sua vida ainda não são bem conhecidos. Provavelmente ele foi filho de Kanofer, um arquiteto como o próprio Imhotep. Sua mãe deve ter sido Khreduonkh, que provavelmente pertenceu à província de Mendes e sua esposa pode ter se chamado Ronfrenofert. Ele deve ter nascido por volta de 3000 AC e ter morrido por volta de 2.950 AC.

Um Grande Arquiteto, uma Grande Pirâmide



A maioria das pessoas nunca ouviu falar dele mas, por outro lado, ouviu muito sobre sua obra-prima, a Grande Pirâmide de Gizé.

Hemiunu foi o arquiteto ou, pelo menos, o arquiteto chefe da pirâmide de Khufu (Quéops), a única das Sete Maravilhas que ainda sobrevive até os dias de hoje.

Ele mesmo um príncipe, Hemiunu era filho do príncipe Neferma'at e da princesa Atet, neto de faraó Sneferu e vizir de seu tio, o faraó Khufu.

Hemiunu foi enterrado em uma mastaba individual feita em pedra no Cemitério Ocidental da pirâmide de Khufu, a segunda mastaba em tamanho daquele cemitério, só menor do que uma conhecida como G 2000, de proprietário desconhecido. Quando sua mastaba, conhecida como G 4000, foi explorada pela primeira vez em 1912 pelo egiptólogo alemão Hermann Junker, uma estátua em tamanho natural de Hemiunu foi encontrada em uma de suas serdabs. O corpo era pesado, talvez porque Hemiunu era um pouco obeso ou, talvez, por ser uma representação simbólica de sua prosperidade.

Mas assaltantes chegaram a Hemiunu muito antes Junker. Sua estátua foi encontrada decapitada, tombada sobre uma das paredes do serdab. A cabeça estava no chão e o rosto foi vandalizado pelos assaltantes que lhe arrancaram os olhos, originalmente incrustados com ouro e cristais da montanha. A estátua foi restaurada e agora essa impressionante representação em pedra de Hemiunu está no museu Roemer-und-Pelizaeus-Museum, em Hildesheim, na Alemanha.

Sentado em um banco à semelhança de um trono, os pés de Hemiunu repousam sobre uma plataforma com fileiras de hieróglifos pintados de amarelo, vermelho, marrom e preto. Esses hieróglifos dizem:

"Membro da elite, alto funcionário, Vizir, portador do selo do Rei, Atendente de Nekhen e Porta-Voz de todos os residentes de Pe, sacerdote de Bastet, sacerdote de Shesmetet, sacerdote de Ram e de Mendes, Zelador do Touro Apis, Zelador do Touro Branco, a quem seu senhor ama, Ancião do Palácio, Sumo Sacerdote de Thoth, a quem seu senhor ama, cortesão, supervisor dos escribas reais, Sacerdote do deus Pantera, Diretor de Música do Alto e do Baixo Egito, Supervisor de todos os projetos de construção do Rei, filho do rei de seu próprio corpo, Hemiunu."

Foi assim que os egiptólogos puderam concluir que Hemiunu foi o arquiteto da Grande Pirâmide: ele era o Supervisor de todos os projetos de construção do rei, e sabemos que o rei era seu tio Khufu porque algumas pedras de sua mastaba estão marcadas com datas referentes ao reinado de Khufu. Elas nos dizem que Hemiunu viveu até o 19° ano do reinado de Khufu, e como se supõe que a Grande Pirâmide tenha sido construída em 20 anos, isso significa que ou pirâmide de Khufu foi concluída por ele ou o foi por outro arquiteto de sua equipe.

Sem a menor sombra de dúvida, Hemiunu foi um arquiteto extremamente engenhoso e competente. Basta dizer que após mais de 4.500 anos ninguém sabe como foi que ele construiu sua pirâmide e nem tem idéia de qual é a sua finalidade.